Superando ‘Jabutis’ e Priorizando a Modernização do Setor Elétrico

Visão de longo prazo

Os ventos sopraram forte no Distrito Federal na última semana de novembro, e o Projeto de Lei 11.247/2018 – que constituirá o marco legal da geração eólica offshore – teve seu texto aprovado pela Câmara dos Deputados. O PL segue, agora, para avaliação do Senado Federal.
De certo modo, o ovo veio antes da galinha na disciplina do assunto, já que o Decreto 10.946/2022 – no âmbito infralegal, portanto, e antes da existência da lei – regulamentou parcialmente o tema, tratando da cessão das áreas para exploração da geração de energia elétrica offshore.

Seja como for, fato é que a questão é relevante para a expansão dessa fonte renovável de energia elétrica e a disciplina, em lei, conferirá – ou, ao menos, deve conferir – a segurança e a transparência necessárias à atração de ainda mais investimentos no setor elétrico brasileiro.

No entanto, gerou burburinho a inclusão de textos que, de comum com a geração offshore, só mesmo estarem relacionados ao setor elétrico, o que deixou de ser exceção e acaba por virar regra na prática legislativa. Difamando nossos queridos quelônios, estes fragmentos legislativos quase que extraterrenos foram apelidados de ‘jabutis’. E lá estão eles no PL 11.247 enviado ao Senado.

A intenção aqui não é a de avaliar o mérito ou não do que foi incluído no texto proposto. Antes, é a de ressaltar a colcha de retalhos que disciplina o setor elétrico brasileiro, com alterações legais para justificar situações pontuais, outras para corrigir – ou tentar corrigir distorções – que resultam em emendas piores que o soneto, levando o setor a entrar em pé de guerra com o Governo, com agentes setoriais ou mesmo entre si, em judicializações e paralisações do mercado.
A evolução tecnológica demanda a modernização do setor elétrico brasileiro. Evidentemente, é inviável que a produção legislativa – quando em seu curso normal – ande ao lado do desenvolvimento tecnológico; mas quando anos se passam e nada é concretizado, a inovação fica obsoleta, antes mesmo do seu nascimento.
Sendo a transição energética pauta mundial e tendo o Brasil, naturalmente, condições de estar na vanguarda desse movimento, este é o momento para transformar o setor elétrico, com “modernizações” que já vêm sendo estudadas, discutidas, criticadas e divulgadas há anos:

A abertura de mercado aos consumidores, possibilitando-lhes escolher de quem quer consumir sua energia e a quem pagar por ela, disciplinando não só a liberalização, mas tudo aquilo que ela impactará: seja a separação e a definição das atividades e dos papeis a serem desempenhados pelas distribuidoras; seja o que fazer com os contratos legados; seja a forma de se garantir a expansão da geração, com a segregação de lastro e capacidade.

A modernização das tarifas, passando não só pela redução de encargos e tributos, de forma social e economicamente justa e sustentável no longo prazo, mas também pela atribuição de sinais econômicos a serem apontados aos consumidores, para induzir a eficiência energética e a racionalização no consumo, pensando, inclusive, no já vivenciado crescimento do mercado de veículos elétricos no Brasil.
A governança setorial pode ser aprimorada, deixando claras as atribuições das diversas instituições setoriais – públicas ou privadas – definindo prioridades e metas a serem perseguidas por cada uma delas; com indicações de lideranças, bem como decisões por estas tomadas, tendo por base critérios e habilidades técnicas.

A transição energética poderia ser turbinada – e ainda resolver o problema das sobras estruturais de energia – por meio de redução da inflexibilidade de termoelétricas e a instituição do marco regulatório do H2 verde.

Essas medidas – exemplificamente citadas apenas algumas delas – para além de possibilitar o aprimoramento do contexto legal e regulatório do setor elétrico, certamente conduzirão à elevação de investimentos, que mostrar-se-ão um porto seguro, seja para aqueles que colocam seu dinheiro no setor, seja os agentes setoriais, seja aos consumidores. Ou seja, todos só tem a ganhar.

E o momento não poderia ser mais oportuno. Se os bons ventos forem direcionados a soprar na direção correta, certamente as caravelas aportarão com segurança. Com o perdão pelos clichês e pelas pieguices, termino aqui com mais um: liberté, egalité, fraternité. Guardadas as devidas proporções, o lema da Revolução Francesa, ocorrida há séculos, soa bastante atual à situação vivenciada hoje no setor elétrico brasileiro.

Que os ‘jabutis’ voltem a ser somente fofos quelônios e a legislação tenha uma visão de futuro e um olhar mais amplo e estrutural, sem remendos ou ‘puxadinhos’. 

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