Como explicar as diferenças tarifárias no país?

O Brasil é um país marcado por desigualdades das mais diversas possíveis: sociais, regionais, de renda, de raça, de gênero, entre tantas outras.

Mas tem uma que gostaria de abordar aqui que é a desigualdade tarifária.

Para ilustramos isso, basta observar que a maior tarifa residencial do país chega a ser 63% acima da menor, considerando apenas as concessionárias. Se considerarmos também as permissionárias (cooperativas), essa diferença chega a 175%!

Onde tudo começou…

Anteriormente, até 1993, o Brasil mantinha tarifas equalizadas em todos os estados, o que resultou em ineficiências e um déficit significativo.

Com a reforma do setor elétrico na década de 90, as atividades do setor foram desverticalizadas e as tarifas passaram a ser calculadas individualmente para cada área de concessão e foram se diferenciando bastante ao longo do tempo, por diversos motivos.

Durante muitos anos, as tarifas de regiões mais vulneráveis, sobretudo no Norte e Nordeste, estiveram baixas, em função de fatores como a baixa qualidade do serviço, devido ao pouco investimento. Essas concessões, em regra, apresentavam altos prejuízos, arcados pelos acionistas, especialmente a Eletrobras ou os governos estaduais.

Entendendo a tarifa…

Para entender o problema das altas tarifas e as diferenças regionais, primeiramente, é preciso compreender a composição da tarifa e como cada componente pode afetá-la.

A tarifa final para o consumidor é composta por 5 grandes custos: Energia (Geração), Transporte (Transmissão), Distribuição, Encargos e Tributos.

É importante entender que alguns desses componentes têm influência direta dos custos locais de cada área de concessão. Outros, porém, independem da região geográfica onde está localizada a concessão, conforme listamos abaixo:

  • Geração: os custos com a compra de energia são, em sua maior parte, resultantes de leilões públicos, sem nenhuma ação direta da Distribuidora local que afete seus valores. No entanto, outros fatores podem diferenciá-los em cada concessão. Por exemplo, a existência de contratos bilaterais não negociados via leilão, em alguns casos, pode impor custos bastante elevados. A estratégica de contratação da distribuidora também pode ter efeitos diferentes, eventualmente provocando sobrecontratação, que também será um custo para o consumidor. Há, ainda, os contratos em forma de cotas, como Itaipu, que afeta apenas as regiões S/SE/CO; as nucleares Angra I e II; e as Cotas de Garantia Física, que vem sendo descotizada, em função da privatização do controle da Eletrobras.

  • Transmissão: os custos de transmissão, em sua maior parte, funcionam como um grande condomínio, sendo rateados por todos os consumidores do país. Assim, não há ação direta da distribuidora local nessa parcela de custo. As diferenças regionais podem se dar em função da regulamentação como, por exemplo, o sinal locacional de custos que tende a transferir parte de custos – hoje alocados aos consumidores do N/NE – para os consumidores do S/SE/CO.

  • Distribuição: este custo depende das condições locais, sendo afetado pela quantidade, densidade e tipos de consumidores. Assim, investimentos nas redes locais afetam diretamente a tarifa da concessão. É o custo que melhor explica as principais diferenças entre regiões, mas não o único, como veremos adiante.

  • Encargos: uma parte dos encargos pode ser diferente nas regiões, como é o caso da CDE, outra parte, é diferenciada por ser paga somente pelos consumidores cativos e outra parte, ainda, é distribuída igualmente para todos os consumidores, inclusive, entre livres e cativos. De forma geral, diversas políticas definidas para o setor elétrico são implementadas por meio dos encargos setoriais.

  • Tributos: por fim, na conta de energia incide um tributo estadual, o ICMS, dois federais, o PIS e a Cofins, e uma contribuição municipal, a CIP – Contribuição de Iluminação Pública. PIS/Cofins tem a mesma alíquota em todo o país. Já o ICMS, varia de um estado para outro e, embora já tenha sido muito diferente, atualmente estão quase todos em torno de 18% a 20%. A CIP depende da prefeitura local e da sua eficiência na prestação desse serviço.

As principais causas de diferença…

Entender plenamente as causas-raízes das diferenças regionais não é tarefa elementar, pois cada componente da tarifa tem efeito diverso de uma região para outra.

Embora a tarifa seja em parte explicada pelos custos de distribuição, associada à densidade de carga, o quadro abaixo mostra que há outros elementos que afetam em diferentes sentidos, em as células vermelhas são as de valores mais altos e as verdes de valores mais baixos.

Dados de outubro/2023

De forma geral, não se tem concessões com todas as principais componentes mais altas ou com todas mais baixas.

Este rápido exemplo mostra que decisões que busquem reduzir diferenças regionais precisam ser baseadas em fatos e dados para se ter uma visão completa de cada componente da tarifa.

Entender as causas da evolução tarifária de cada concessão remete a conhecer a história dessa concessão, em que momento de maturidade ela está quanto ao crescimento de seu mercado e aos níveis de qualidade, bem como compreender o modelo de regulação e os incentivos existentes.

Ações voltadas apenas a um componente podem ser pouco efetivas. Um exemplo que ilustra bem isso é a distribuição de encargos entre as regiões, onde pode se ter consumidores de alta renda de uma região pagando menos que consumidores de baixa renda em outras regiões.

Assimetria tarifária…

Essas diferenças entre regiões acabam provocando uma assimetria tarifária no país, que pode ser mais bem percebida quando analisamos a questão de tarifas e regiões vulneráveis.

Buscando informações de cada estado e relacionando a tarifa com o Índice de Desenvolvimento Humano – IDHM Renda (2021), o resultado pode ser visto na figura abaixo:
Como é possível observar, embora todos os estados do N/NE estejam abaixo da média Brasil de IDHM Renda (0,724), metade de seus estados tem tarifas acima da média nacional.

Na Região Norte a situação é ainda pior, em que a maioria dos estados figura no quadrante de maior tarifa e menor IDHM.

Já regiões mais desenvolvidas economicamente, com alto IDHM, estão no quadrante de menor tarifa.

Aqui, vale uma ressalva importante. Ainda que um estado possa ter um IDHM mais elevado, pode ter localidades com índices baixos, como por exemplo a Light que, notoriamente, tem uma parte importante de sua concessão em regiões vulneráveis.

Portanto, o problema de assimetria de tarifa pode ocorrer entre concessões e dentro da mesma concessão.

E isso pode mudar?

Em geral, as ações para redução de tarifas são focadas nos encargos, com transferência entre concessões ou na parcela de distribuição, em muitas vezes, apenas com diferimentos de custos, ou seja, postergando o pagamento de um ano para outro.

Contudo, a mera transferência de custos é solução paliativa que não resolve o problema. Quando a conta é alta demais, não há outro remédio que não seja a redução de custos de uma forma geral, com a correta alocação de custos. Mas isso já é tema de outra coluna…

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