Propostas para a Construção de um Ciclo de Prosperidade para o Setor Elétrico Brasileiro

PARTE 5 – ATRAIR INVESTIMENTOS ¹ 

A demanda mundial por energia limpa e por produtos elaborados com a utilização desse tipo de energia tem crescido exponencialmente nos últimos anos, possuindo o objetivo de triplicar a capacidade instalada e duplicar a eficiência das energias renováveis até 2030.

O Brasil, aproveitando de seus recursos hídricos, solares, eólicos e de biomassa, possui vocação natural para ser protagonista nessa revolução, atentando-se para o estabelecimento de mecanismos de financiamento e na segurança regulatória e jurídica para dar agilidade aos projetos e para que os retornos previstos nos momentos dos investimentos se concretizem.

Atualmente, parte dos investimentos em geração tem sido freada por falta de infraestrutura de rede, não havendo espaço para a conexão de novas usinas no sistema existente; parte dos investimentos possíveis em modernização da infraestrutura existente tem sido freada por indefinições regulatórias a respeito da forma de remuneração desses investimentos; e ainda há investimentos em curso que estão paralisados em processos ambientais muito pouco transparentes, sem prazos de execução definidos, com solicitações complementares e exigências adicionais imprevisíveis.

Há ainda iniciativas estruturantes que se encontram “em análise regulatória” há muito tempo (exemplos: sistemas de armazenamento, leilões de eficiência energética e procedimento competitivo para o acesso) e que precisam ser finalizadas para que os agentes possam decidir sobre a viabilidade e a continuidade de seus investimentos.


Proposta 1 – Promover o desenvolvimento das pessoas

Um dos gargalos enfrentados na viabilização de muitos projetos é a escassez de mão de obra qualificada para atuar nas diferentes fases, desde a concepção até a operação efetiva dos empreendimentos.

Neste contexto, torna-se muito importante que o planejamento da mão de obra entre os stakeholders ocorra de forma ampla, promovendo diálogos entre a indústria de energia limpa e as instituições educacionais, identificando lacunas críticas de conhecimentos e habilidades, de modo a sustentar as estratégias de crescimento.

Assim, os objetivos da transição energética devem estar refletidos em programas e recursos educacionais, como currículos universitários, instituições de formação profissional, instituições de treinamento em saúde e segurança no trabalho, e programas de educação profissional.

A exposição do jovem a oportunidades de carreira em energia limpa e transição energética deve ocorrer desde cedo em sua educação. Para os profissionais mais experientes em outras áreas, devem ser visualizados investimentos em requalificação e aprimoramento de habilidades para comunidades vulneráveis e para as pessoas empregadas na indústria associada aos combustíveis fósseis. Essas medidas precisam estar inseridas em programas mais amplos de revitalização econômica regional e investimentos.

Figura 1 – Desenvolvimento das pessoas.


Proposta 2 – Simplificar e desburocratizar os incentivos tributários

Os projetos de infraestrutura têm desfrutado de incentivos regulatórios importantes, tais como o REIDI (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura) e as debêntures incentivadas.

Para que os projetos sejam competitivos, é fundamental que os processos de acesso a esses incentivos sejam ágeis, viabilizando a antecipação dos investimentos, da execução das obras e da própria entrada em operação comercial dos empreendimentos.

Atualmente, várias solicitações são necessárias em diferentes órgãos setoriais, incluindo a ANEEL, o MME e a própria Receita Federal. Há exemplos de REIDI cujos processos duraram mais de 300 dias, tramitando nessas instituições! Para facilitar os investimentos é necessário simplificar e agilizar os processos, comunicando esses avanços aos investidores para reduzir suas percepções de risco.

Figura 2 – Competitividade por meio da simplificação.


Proposta 3 – Reconhecer a essencialidade da energia elétrica

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019 da Reforma Tributária precisa incluir tratamento específico para o Setor Elétrico, reconhecendo sua natureza estratégica e essencial.

O texto aprovado pela Câmara dos Deputados não havia reconhecido a essencialidade da energia elétrica, e no Senado a energia elétrica foi excluída do Imposto Seletivo. Assim, é muito importante que o processo seja acompanhado de perto, garantindo-se a essencialidade e a tributação específica para um insumo que faz parte de praticamente todos os processos produtivos e possui ainda a oportunidade de contribuir para a relevância do Brasil na transição energética mundial.

Figura 3 – A energia elétrica é essencial.


Proposta 4 – Promover o plano de modernização dos ativos

O Setor Elétrico possui ativos com vidas úteis superadas ou muito próximas de serem exauridas, além de se apresentarem obsoletos em termos tecnológicos. Esses ativos podem ser encontrados em toda a cadeia produtiva, incluindo usinas, subestações, linhas de transmissão e vários ativos da própria rede de distribuição.

O levantamento de todos os ativos que demandam processos de modernização deve ser realizado com urgência, identificando-se os ganhos operacionais e de eficiência que a modernização deve proporcionar, identificando-se as melhores opções tecnológicas para que este processo produza benefícios sistêmicos relevantes.

Devem ser estabelecidos critérios mínimos de interoperabilidade entre os equipamentos, requisitos mínimos em termos de capacidade de comunicação, relacionamento com bases de dados sistêmicas de amplo acesso, e a criação de infraestruturas voltadas para o futuro da energia, com ampla integração de recursos distribuídos.

Uma modernização bem planejada, com a agregação de serviços a serem oferecidos aos agentes e aos consumidores, viabilizará novas fontes de receita e, assim, poderemos ter um sistema moderno com custos líquidos inferiores aos do sistema atual.

Figura 4 – Modernização com benefícios sistêmicos.


Proposta 5 – Promover segurança jurídica e regulatória

As mudanças no SEB são realizadas por decisões do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou por meio da regulação da ANEEL. Há ainda, muitas vezes, decisões do Poder Judiciário que mudam o modo do sistema operar.

Independentemente de quem promove a mudança, é muito importante que sejam estabelecidos objetivos claros a serem perseguidos, de modo que o SEB possa cumprir seu papel de fornecer energia limpa, a preços justos e com segurança no suprimento.

Nas mudanças legislativas, o processo preferível é a discussão por Projeto de Lei, em que os diversos agentes impactados possam ser ouvidos. Mudanças abruptas, por meio de Medida Provisória – MP, devem ser evitadas por dificilmente conseguirem ser objeto de discussões que levem ao amadurecimento dos temas.

A MP nº 579 de 2012, convertida na Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013, que prorrogou as concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, é o exemplo mais evidente de desacerto, pois gerou um ambiente de insegurança ao violar fundamentos do mercado de energia e estabeleceu incentivos regulatórios que promoveram ineficiências relevantes, como o regime de cotas para as usinas hidrelétricas.

Atualmente, a inserção de usinas termoelétricas, a obrigatoriedade de contratação de PCHs, de renovação dos contratos do Proinfa e a construção de gasodutos estão determinadas por emendas parlamentares. São medidas que encarecem a conta de luz, distorcem preços e usurpam competências institucionais típicas do Setor Elétrico, exemplos de atuação indevida que reduzem a confiança no país e dificultam a atração de investimentos.

Figura 5 – Segurança jurídica e regulatória.


Proposta 6 – Atuar para valorizar a sustentabilidade das fontes

A regulação para valorização dos atributos ambientais das diferentes fontes de energia deve ser acelerada, considerando os impactos globais ao longo do tempo, “do berço ao túmulo”.

A minimização dos impactos ambientais adversos deve ser perseguida e devem ser promovidas abordagens positivas para a natureza, incentivando, por exemplo, a adoção de padrões de sustentabilidade para novos ativos de energia renovável – como o Padrão de Sustentabilidade da Hidroeletricidade – como parte dos esquemas de aquisição.

Deve-se assegurar que os impactos das atividades de mineração e o uso de componentes relativamente escassos sejam mitigados por medidas para a economia circular (gestão de fim de vida, reciclagem e reutilização de materiais).

Neste contexto, ganha relevância a gestão das informações sobre a produção de resíduos de energias renováveis por meio do monitoramento regular dos resíduos gerados pela tecnologia, a composição dos fluxos de resíduos, o desempenho dos sistemas instalados e as causas e frequência das falhas do sistema, para adotar legislação de minimização de resíduos adequada ao ritmo e escala da transição energética.

Finalmente, parcerias público-privadas e investimentos em circularidade devem ser realizados para encorajar a reutilização de materiais e uma abordagem de economia circular no desenvolvimento de projetos, o que pode ajudar a reduzir o risco de concentração e a insegurança no fornecimento de materiais críticos.

Como alguns países já avançaram mais nessas questões, a colaboração com fóruns internacionais e instituições financeiras pode ajudar a proteger os corredores de comércio internacional de materiais e componentes para tecnologias-chave.

Figura 6 – Custo real de cada fonte.


Proposta 7 – Concretiza a implantação do Procedimento Competitivo por Margem (PCM)

Mundialmente, a demanda por acesso à rede de energia elétrica por projetos de geração de energia das fontes solar e eólica tem sido muito superior à capacidade disponível dos sistemas de transmissão. A evolução tecnológica dessas usinas de geração de energia, que se desenvolvem hoje em prazos de 2 a 5 anos, não tem sido acompanhada pelos sistemas de transmissão que, entre planejamento e construção, continuam necessitando de prazos que variam entre 7 e 10 anos.

Para selecionar as usinas que terão acesso à rede, procedimentos competitivos têm sido estruturados em diversas localidades. No Brasil, o Ministério de Minas e Energia (MME) realizou a Consulta Pública no 141/2022 (CP141), tendo como objetivo a coleta de subsídios para o aprimoramento da proposta de regulamentação das Diretrizes para o Procedimento Competitivo para a Contratação de Margem de Escoamento para Acesso ao Sistema Interligado Nacional – SIN, denominado Procedimento Competitivo por Margem – PCM.

O objetivo do PCM é substituir o processo administrativo, baseado em processamento sequencial das solicitações de acesso à rede, por um processo que otimize o uso da rede e que estabeleça prioridades com base em uma conciliação dos interesses sistêmicos com os interesses individuais dos investidores.

Sistemicamente, em praticamente todas as geografias, tem sido buscada a priorização do acesso de projetos que promovam a oferta de energia renovável, conectando os processos operacionais de acesso à rede elétrica a objetivos estratégicos dos países, em busca de uma economia de baixo carbono. Para que somente os agentes comprometidos com os projetos solicitem os acessos, contrapartidas financeiras – na forma de garantias – têm sido exigidas como requisito para iniciar a tramitação das solicitações de acesso.

Em termos de tecnologia, a aplicação dos inúmeros avanços recentes deve ser perseguida, podendo-se citar (i) a priorização de acesso de sistemas de armazenamento nas localidades em que promovem alívio de margem; (ii) o acesso de sistemas híbridos, que elevam a energia transmitida pelos ativos de transmissão; (iii) a modernização de critérios de análise de confiabilidade, com padronização e amplo acesso aos dados, metodologias e sistemas computacionais; e (iv) a base para a evolução metodológica é a ampla divulgação dos dados de carregamento dos sistemas e das linhas de transmissão.

É preciso ser ágil para modernizar processos, metodologias e sistemas, em busca de expandir e baratear a oferta de energia limpa. O PCM pode ainda facilitar o monitoramento dos processos e o controle dos prazos, diminuindo o intervalo entre o início dos investimentos em um projeto e a sua efetiva entrada em operação comercial.

Figura 7 – Competição pelo acesso à rede.


Proposta 8 – Aprimorar o processo de licenciamento ambiental

A pauta ambiental deve ser colocada no centro da expansão do SEB, com fontes de financiamento dimensionadas de forma proporcional aos compromissos globais assumidos.

No Acordo de Paris o Brasil assumiu metas robustas de abrangência nacional, para o conjunto da economia, se comprometendo a reduzir 37% das emissões de gases de efeito estufa até 2025 e 43% até 2030 (referência são as emissões de 2005).

Apesar desses compromissos assumidos, os projetos têm encontrado dificuldades em seus licenciamentos ambientais, com estruturas organizacionais dos órgãos licenciadores incompatíveis com as demandas setoriais, além de processos que carecem de governança, padronização e prazos críveis.

Por exemplo, nos leilões das linhas de transmissão, o licenciamento ambiental é realizado pelo empreendedor que ganha a competição. Com o aumento do número de linhas de transmissão, com o aumento do número de locais com empreendimentos e com a complexidade relativamente maior dos projetos, vários empreendimentos estão atrasados ou se tornando inviáveis devido às restrições ambientais.

Por meio de um Sistema chamado SIGET (Sistema de Gestão da Transmissão), a ANEEL monitora os empreendimentos de transmissão em construção, podendo-se notar uma elevação no tempo médio de licenciamento ambiental.

Em muitos casos, a capacidade de conectar as regiões está dependente até de regulamentações municipais. No SIGET há exemplos de obras atrasadas devido à recusa da prefeitura local em emitir a certidão de conformidade com uso e ocupação do solo.

Nesses casos, a análise do processo fica paralisada até que o município concorde com o traçado e conceda a certidão de usos e ocupação do solo, normalmente, acarretando atraso do cronograma da obra.

Cenário similar ocorre com o licenciamento das hidrelétricas, que muitas vezes se depara com processos morosos, não padronizados e com alto nível de complexidade e exigências, atrasando por vários anos a obtenção de licenças ou as inviabilizando.

Para evitar esses problemas, o FASE propõe que os projetos de interesse sistêmico sejam priorizados. Ademais, dado o interesse estratégico das obras, o próprio Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Energia Elétrica poderiam ter um grupo de servidores dedicados a garantir o andamento das obras, agindo proativamente para identificar gargalos, planos de ação e atuação institucional para superá-los.

Figura 8 – Licenciamento ambiental aprimorado.


Proposta 9 – Preparar o Setor Elétrico para enfrentas as questões climáticas

Secas severas, enchentes, vendavais, tempestades, ondas de calor, ondas de frio e uma infinidade de eventos severos decorrentes das mudanças climáticas têm afetado a operação dos sistemas elétricos em todo o mundo, com impactos diretos sobre a vida das pessoas.

No Brasil, vivemos uma seca severa em 2021, enchentes em 2022, vendavais, tempestades e ondas de calor em 2023, e temos a sensação de que os eventos estão se intensificando e se tornando mais frequentes.

Nesse contexto, é necessária uma ampla revisão dos processos de planejamento e operação dos sistemas elétricos com o objetivo de priorizar investimentos para o monitoramento e previsibilidade dos eventos, além do emprego de tecnologia e técnicas que promovam maior robustez e resiliência à infraestrutura existente.

O monitoramento diz respeito à instalação de sensores climáticos em muitos mais pontos que os atualmente existentes, com ampla disponibilização das informações, promovendo-se o desenvolvimento de modelos de previsão que permitam ações tempestivas de todos os agentes setoriais e dos próprios consumidores.

A robustez se refere ao reforço e até mesmo à redundância de estruturas essenciais para que o fornecimento não seja interrompido quando esses eventos ocorrem, identificando áreas críticas e as melhores soluções específicas a cada região ou tipo de consumidor.

A resiliência, por sua vez, está associada ao rápido estabelecimento do fornecimento após um evento climático com impactos sobre a infraestrutura do setor. Trata-se de ações que flexibilizem as formas de atender cargas críticas, ou as técnicas de construção e até operação que rapidamente sejam capazes de disponibilizar à operação as funções dos ativos danificados.

A promoção de um Setor Elétrico capaz de enfrentar as mudanças climáticas é um grande desafio, pois há a necessidade de serem alteradas regulamentações, normas e procedimentos que há muito doutrinam o setor. É tempo de evoluir e evoluir com urgência!

Importante que este processo seja acompanhado de uma comunicação clara e assertiva com toda a sociedade, promovendo compreensão, suporte e engajamento.

Figura 9 – Investimentos estratégicos para fazer frente às mudanças climáticas.


Em resumo...

O Setor Elétrico Brasileiro tem um enorme potencial de se desenvolver como um dos líderes mundiais na produção de energia limpa a custos competitivos. Para tanto, precisa começar cuidando das pessoas, com formações estruturadas em todos os níveis para que a expertise em energia possa gerar avanços e inovações.

Ademais, mostram-se relevantes a simplificação e a desburocratização dos processos administrativos e de licenciamento, trazendo padronização e agilidade, além de uma percepção de redução do risco jurídico e regulatório.

O acesso à rede deve ser otimizado, os processos de licenciamento ambiental devem ser padronizados e uniformizados, e a essencialidade da energia elétrica deve ser reconhecida na reforma tributária.

Por fim, os eventos climáticos severos, de alta intensidade, e de frequência cada vez mais elevada, devem ser enfrentados com estratégias de investimento que promovam robustez e resiliência ao atendimento aos consumidores.

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