Atualmente, parte dos investimentos em geração tem sido freada por falta de infraestrutura de rede, não havendo espaço para a conexão de novas usinas no sistema existente; parte dos investimentos possíveis em modernização da infraestrutura existente tem sido freada por indefinições regulatórias a respeito da forma de remuneração desses investimentos; e ainda há investimentos em curso que estão paralisados em processos ambientais muito pouco transparentes, sem prazos de execução definidos, com solicitações complementares e exigências adicionais imprevisíveis.
Há ainda iniciativas estruturantes que se encontram “em análise regulatória” há muito tempo (exemplos: sistemas de armazenamento, leilões de eficiência energética e procedimento competitivo para o acesso) e que precisam ser finalizadas para que os agentes possam decidir sobre a viabilidade e a continuidade de seus investimentos.
Um dos gargalos enfrentados na viabilização de muitos projetos é a escassez de mão de obra qualificada para atuar nas diferentes fases, desde a concepção até a operação efetiva dos empreendimentos.
Neste contexto, torna-se muito importante que o planejamento da mão de obra entre os stakeholders ocorra de forma ampla, promovendo diálogos entre a indústria de energia limpa e as instituições educacionais, identificando lacunas críticas de conhecimentos e habilidades, de modo a sustentar as estratégias de crescimento.
Assim, os objetivos da transição energética devem estar refletidos em programas e recursos educacionais, como currículos universitários, instituições de formação profissional, instituições de treinamento em saúde e segurança no trabalho, e programas de educação profissional.
A exposição do jovem a oportunidades de carreira em energia limpa e transição energética deve ocorrer desde cedo em sua educação. Para os profissionais mais experientes em outras áreas, devem ser visualizados investimentos em requalificação e aprimoramento de habilidades para comunidades vulneráveis e para as pessoas empregadas na indústria associada aos combustíveis fósseis. Essas medidas precisam estar inseridas em programas mais amplos de revitalização econômica regional e investimentos.
Os projetos de infraestrutura têm desfrutado de incentivos regulatórios importantes, tais como o REIDI (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura) e as debêntures incentivadas.
Para que os projetos sejam competitivos, é fundamental que os processos de acesso a esses incentivos sejam ágeis, viabilizando a antecipação dos investimentos, da execução das obras e da própria entrada em operação comercial dos empreendimentos.
Atualmente, várias solicitações são necessárias em diferentes órgãos setoriais, incluindo a ANEEL, o MME e a própria Receita Federal. Há exemplos de REIDI cujos processos duraram mais de 300 dias, tramitando nessas instituições!
Para facilitar os investimentos é necessário simplificar e agilizar os processos, comunicando esses avanços aos investidores para reduzir suas percepções de risco.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019 da Reforma Tributária precisa incluir tratamento específico para o Setor Elétrico, reconhecendo sua natureza estratégica e essencial.
O texto aprovado pela Câmara dos Deputados não havia reconhecido a essencialidade da energia elétrica, e no Senado a energia elétrica foi excluída do Imposto Seletivo. Assim, é muito importante que o processo seja acompanhado de perto, garantindo-se a essencialidade e a tributação específica para um insumo que faz parte de praticamente todos os processos produtivos e possui ainda a oportunidade de contribuir para a relevância do Brasil na transição energética mundial.
O Setor Elétrico possui ativos com vidas úteis superadas ou muito próximas de serem exauridas, além de se apresentarem obsoletos em termos tecnológicos. Esses ativos podem ser encontrados em toda a cadeia produtiva, incluindo usinas, subestações, linhas de transmissão e vários ativos da própria rede de distribuição.
O levantamento de todos os ativos que demandam processos de modernização deve ser realizado com urgência, identificando-se os ganhos operacionais e de eficiência que a modernização deve proporcionar, identificando-se as melhores opções tecnológicas para que este processo produza benefícios sistêmicos relevantes.
Devem ser estabelecidos critérios mínimos de interoperabilidade entre os equipamentos, requisitos mínimos em termos de capacidade de comunicação, relacionamento com bases de dados sistêmicas de amplo acesso, e a criação de infraestruturas voltadas para o futuro da energia, com ampla integração de recursos distribuídos.
Uma modernização bem planejada, com a agregação de serviços a serem oferecidos aos agentes e aos consumidores, viabilizará novas fontes de receita e, assim, poderemos ter um sistema moderno com custos líquidos inferiores aos do sistema atual.
As mudanças no SEB são realizadas por decisões do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou por meio da regulação da ANEEL. Há ainda, muitas vezes, decisões do Poder Judiciário que mudam o modo do sistema operar.
Independentemente de quem promove a mudança, é muito importante que sejam estabelecidos objetivos claros a serem perseguidos, de modo que o SEB possa cumprir seu papel de fornecer energia limpa, a preços justos e com segurança no suprimento.
Nas mudanças legislativas, o processo preferível é a discussão por Projeto de Lei, em que os diversos agentes impactados possam ser ouvidos. Mudanças abruptas, por meio de Medida Provisória – MP, devem ser evitadas por dificilmente conseguirem ser objeto de discussões que levem ao amadurecimento dos temas.
A MP nº 579 de 2012, convertida na Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013, que prorrogou as concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, é o exemplo mais evidente de desacerto, pois gerou um ambiente de insegurança ao violar fundamentos do mercado de energia e estabeleceu incentivos regulatórios que promoveram ineficiências relevantes, como o regime de cotas para as usinas hidrelétricas.
Atualmente, a inserção de usinas termoelétricas, a obrigatoriedade de contratação de PCHs, de renovação dos contratos do Proinfa e a construção de gasodutos estão determinadas por emendas parlamentares. São medidas que encarecem a conta de luz, distorcem preços e usurpam competências institucionais típicas do Setor Elétrico, exemplos de atuação indevida que reduzem a confiança no país e dificultam a atração de investimentos.
A regulação para valorização dos atributos ambientais das diferentes fontes de energia deve ser acelerada, considerando os impactos globais ao longo do tempo, “do berço ao túmulo”.
A minimização dos impactos ambientais adversos deve ser perseguida e devem ser promovidas abordagens positivas para a natureza, incentivando, por exemplo, a adoção de padrões de sustentabilidade para novos ativos de energia renovável – como o Padrão de Sustentabilidade da Hidroeletricidade – como parte dos esquemas de aquisição.
Deve-se assegurar que os impactos das atividades de mineração e o uso de componentes relativamente escassos sejam mitigados por medidas para a economia circular (gestão de fim de vida, reciclagem e reutilização de materiais).
Neste contexto, ganha relevância a gestão das informações sobre a produção de resíduos de energias renováveis por meio do monitoramento regular dos resíduos gerados pela tecnologia, a composição dos fluxos de resíduos, o desempenho dos sistemas instalados e as causas e frequência das falhas do sistema, para adotar legislação de minimização de resíduos adequada ao ritmo e escala da transição energética.
Finalmente, parcerias público-privadas e investimentos em circularidade devem ser realizados para encorajar a reutilização de materiais e uma abordagem de economia circular no desenvolvimento de projetos, o que pode ajudar a reduzir o risco de concentração e a insegurança no fornecimento de materiais críticos.
Como alguns países já avançaram mais nessas questões, a colaboração com fóruns internacionais e instituições financeiras pode ajudar a proteger os corredores de comércio internacional de materiais e componentes para tecnologias-chave.
A pauta ambiental deve ser colocada no centro da expansão do SEB, com fontes de financiamento dimensionadas de forma proporcional aos compromissos globais assumidos.
No Acordo de Paris o Brasil assumiu metas robustas de abrangência nacional, para o conjunto da economia, se comprometendo a reduzir 37% das emissões de gases de efeito estufa até 2025 e 43% até 2030 (referência são as emissões de 2005).
Apesar desses compromissos assumidos, os projetos têm encontrado dificuldades em seus licenciamentos ambientais, com estruturas organizacionais dos órgãos licenciadores incompatíveis com as demandas setoriais, além de processos que carecem de governança, padronização e prazos críveis.
Por exemplo, nos leilões das linhas de transmissão, o licenciamento ambiental é realizado pelo empreendedor que ganha a competição. Com o aumento do número de linhas de transmissão, com o aumento do número de locais com empreendimentos e com a complexidade relativamente maior dos projetos, vários empreendimentos estão atrasados ou se tornando inviáveis devido às restrições ambientais.
Por meio de um Sistema chamado SIGET (Sistema de Gestão da Transmissão), a ANEEL monitora os empreendimentos de transmissão em construção, podendo-se notar uma elevação no tempo médio de licenciamento ambiental.
Em muitos casos, a capacidade de conectar as regiões está dependente até de regulamentações municipais. No SIGET há exemplos de obras atrasadas devido à recusa da prefeitura local em emitir a certidão de conformidade com uso e ocupação do solo.
Nesses casos, a análise do processo fica paralisada até que o município concorde com o traçado e conceda a certidão de usos e ocupação do solo, normalmente, acarretando atraso do cronograma da obra.
Cenário similar ocorre com o licenciamento das hidrelétricas, que muitas vezes se depara com processos morosos, não padronizados e com alto nível de complexidade e exigências, atrasando por vários anos a obtenção de licenças ou as inviabilizando.
Para evitar esses problemas, o FASE propõe que os projetos de interesse sistêmico sejam priorizados. Ademais, dado o interesse estratégico das obras, o próprio Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Energia Elétrica poderiam ter um grupo de servidores dedicados a garantir o andamento das obras, agindo proativamente para identificar gargalos, planos de ação e atuação institucional para superá-los.
O Setor Elétrico Brasileiro tem um enorme potencial de se desenvolver como um dos líderes mundiais na produção de energia limpa a custos competitivos. Para tanto, precisa começar cuidando das pessoas, com formações estruturadas em todos os níveis para que a expertise em energia possa gerar avanços e inovações.
Ademais, mostram-se relevantes a simplificação e a desburocratização dos processos administrativos e de licenciamento, trazendo padronização e agilidade, além de uma percepção de redução do risco jurídico e regulatório.
O acesso à rede deve ser otimizado, os processos de licenciamento ambiental devem ser padronizados e uniformizados, e a essencialidade da energia elétrica deve ser reconhecida na reforma tributária.
Por fim, os eventos climáticos severos, de alta intensidade, e de frequência cada vez mais elevada, devem ser enfrentados com estratégias de investimento que promovam robustez e resiliência ao atendimento aos consumidores.